ACÓRDÃO DO STF SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DOS REGULAMENTOS E A LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES


O Supremo Tribunal Federal prolatou acórdão nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido liminar, sob nº 1435-8, proposta pelo Partido PDT - Partido Democrático Trabalhista, visando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Executivo nº 1.719, editado em 28.11.95, através do qual aprova um regulamento que dispõe sobre o Regime de Outorga de Concessão ou Permissão para a Exploração de Serviços Públicos de Telecomunicações em Base Comercial.

Ocorre que, o Exmo. Sr. Presidente da República expediu o decreto supra mencionado, objeto da ação direta de inconstitucionalidade, fundamentando-se no artigo 84, inciso IV da Constituição Federal, que lhe assegura competência para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis, que assim preconiza:
"Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem com expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;" ( grifos nossos )
No entanto, referido decreto foi editado à revelia de lei que o sustente, uma vez inexistente qualquer lei que justifique sua edição bem como regulamentação, sendo tal prática vedada pela nossa Constituição Federal, razão pela qual não se admite, em hipótese alguma, que o decreto venha suprir a lei exigida pela Constituição, quando sua função é justamente possibilitar a execução da mesma.

No caso em tela, a Emenda Constitucional nº 8 de 1995 alterou o inciso XI e alínea "a" do inciso XII do artigo 21 da Constituição Federal que passou a ter a seguinte redação:
"Art. 21. Compete à União:

(...)

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a)os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

Art. 2º É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional."

Assim, verifica-se do trecho supra transcrito que, a emenda constitucional nº 8 em seu inciso XI é clara ao dispor ser da competência da União a exploração direta dos serviços de telecomunicações ou mediante autorização, concessão ou permissão desses serviços, se a lei assim dispuser, estando adstrita aos seus exatos termos.

Portanto, constata-se da ação direta de inconstitucionalidade nº 1435-8, ventilada no acórdão prolatado pelo STF, tratar-se de ato inconstitucional, sendo nulo o decreto nº 1.719/95 que regula sobre o Regime de Outorga de Concessão ou Permissão para a Exploração de Serviços Públicos de Telecomunicações em Base Comercial, posto que editado sem lei anterior que justifique sua regulamentação.

Por analogia ao caso trazido a debate, pode-se traçar um paralelo com a Lei nº 9.472 de 16.07.97 que cria a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, como órgão regulador dos serviços de telecomunicações, especificamente no que se refere ao artigo 19 que lhe confere competência para regulamentar, nos seguintes termos:
"Art. 19 À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

(...)

IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;

V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;

(...)

IX - editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofrequência e de órbita, fiscalizando e aplicando sanções;

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

(...)

XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais

(...)" ( grifos nossos )
Os incisos do art. 19 supra transcritos são algumas das competências da ANATEL que a lei nº 9472/97 lhe conferiu para regulamentar.

Desta forma, deve-se atentar para o fato de que os regulamentos expedidos pela ANATEL devem estar adstritos aos exatos termos da lei com vistas a sua fiel execução, ao passo que se forem inovadores a ponto de extrapolar os impostos pela lei, serão passíveis de inconstitucionalidade.

Essa conclusão é confirmada pelo que decidiu o STF na Ação direta de inconstitucionalidade, Adin nº 1668-UF, no qual dispositivos foram cautelarmente suspensos, para restringir o poder regulamentar da Agência.

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ACÓRDÃO DO STF SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DOS REGULAMENTOS E A LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES


A ponderabilidade da tese do requerente é segura. Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis ( artigo 84-1V da CF/88 ). A Emenda Constitucional nº 8, de 1995 que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do artigo 21 da CF - é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige. A Lei 9.295/96 não sana a deficiência do ato impugnado, já que ela é posterior ao decreto. Pela ótica da maioria, concorre, por igual, o requisito do perigo na demora.
Medida liminar deferida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, em rejeitar a preliminar suscitada pelo Ministro Moreira Alves, de considerar prejudicada a ação direta em face da revogação do decreto questionado pela Lei nº 9.295, de 19.7.96. Em seguida, deferir o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a vigência do Decreto nº 1.719, de 28.11.95.

Brasília, 27 de novembro de 1996.

Sepúlveda Percente - Presidente
Francisco Rezek - Relator



Ação direta de inconstitucionalidade nº 1435-8 Distrito Federal
Relator: Min. Francisco Rezek
Requerente: Partido Democratico Trabalhista - PDT
Advogado: Gustavo Henrique Caputo Bastos e outro
Requerido: Presidente da República


RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Rezek: - O autor, neste caso, é o Partido Democrático Trabalhista ( PDT ), cuja inicial diz, em essência, o seguinte:
"O Exmo. Sr. Presidente da República editou, em 28 de novembro de 1995, o Decreto Executivo nº 1.719, através do qual aprovou um regulamento que dispõe sobre o Regime de Outorga de Concessão ou Permissão para a Exploração de Serviços Públicos de Telecomunicações em Base Comercial. Invocou, como fundamento jurídico para a edição do referido ato, o artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, que lhe assegura competência para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.

A presente ação tem por objeto obter deste Supremo Tribunal Federal a apreciação e consequente declaração da inconstitucionalidade do referido ato normativo, por violar frontalmente os seguintes dispositivos constitucionais:


a) artigo 5º, inciso II, que assegura que 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei';

b) artigo 21, inciso XI, letra 'a', que determina a edição de lei regulamentadora com o objetivo de dispor sobre o regime jurídico relativo à exploração dos serviços de telecomunicações;

c) artigo 48, caput e inciso XII, combinados com o artigo 25, inciso 1, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que inscrevera como atribuição exclusiva do Congresso Nacional dispor sobre telecomunicações:

d) artigo 84, inciso IV, que define a competência privativa do Presidente da República na expedição de decretos e regulamentos, à condição de que tais atos, materialmente, tenham como fundamento a execução de uma lei;

e) artigos 171, §1º, e 172, que determinam que qualquer distinção entre empresas ou investimentos de capital estrangeiro e empresa ou investimentos nacionais sejam feitos necessariamente por lei e com base no interesse nacional.

( . . . )

É em face deste decreto executivo que se busca o controle concentrado de constitucionalidade. Como se provara a seguir, não se trata de um ato administrativo ilegal, assim entendido aquele que contraria o disposto em uma lei preexistente. Assim fosse, sabe o Requerente, a via da Ação Direta de Inconstitucionalidade seria imprópria.

O ato normativo impugnado nesta ação pretende, na verdade substituir a lei e em lugar dela, regulamentar diretamente a Constituição, ferindo o Princípio da reserva legal.

A Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, que altera a Constituição Brasileira no tocante à competência para a exploração de serviços de telecomunicações tem o seguinte teor:

'Art. 1º O inciso XI e a alínea 'a' do inciso XII do artigo 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 21. Compete à União:

( . . .)

XI- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e Outros aspectos institucionais;


XII- explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiofusão sonora e de sons e imagens;'

Art. 2º. É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI ~o artigo 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.´

A leitura desta Emenda Constitucional evidencia, desde 1090, que a exclusividade conferida à União para explorar todo e qualquer serviço de telecomunicações continua a existir. O 'monopólio constitucional' ( como de forma imprópria e simplista alguns preferem chamar ) não acabou. O direito à exploração de serviços de telecomunicações permanece sendo da União que, se desejar, e só se desejar, poderá dividi-lo com terceiros. Se isto ocorrer, isto é, se e União vier a delegar a terceiros a exploração de alguns de seus serviços, ou de todos os seus serviços, isto não significará que ela tenha perdido o direito de, simultaneamente, explorá-los.

( . . . )

Entendeu, todavia, o Poder Legislativo que a 'flexibilização' do texto constitucional não poderia ser feita nos termos incondicionais propostos. Se, por um lado, o Parlamento permitiu que, na organização dos serviços de telecomunicações a participação da empresa não-estatal possa vir a ser ampliada, por outro lado, ele exigiu que esta maior participação passasse a obedecer a um conjunto de condições.

A primeira condição é de que qualquer mudança no regime jurídico hoje vigente se faça ' nos termos da lei '.

( . . .)

Como se demonstrará, o Decreto Executivo n0 1.719, de 1995, é ato administrativo que, na sua essência a pretexto de 'regulamentar', assume, deliberada e inconstitucionalmente, função diversa, ou seja, a de 'legislar sobre telecomunicações' . Ora, como é palmar, cabe ao Congresso Nacional ( e só a ele, pois esta função é indelegável ) a responsabilidade de dispor sobre todas as matérias de competência da União, e, em especial, sobre telecomunicações ( ex. vi do artigo 48, inciso XII da Constituição Brasileira ).

No ensinamento unânime dos doutores em Direito Público Brasileiro, para expedir decretos regulamentares de uma lei, o Poder Executivo precisa observar quatro requisitos fundamentais: a) que esta lei exista e, além disso, esteja em vigor; b) que o decreto regulamentar se limite a assegurar a execução da lei da forma mais 'fiel' possível; c) que os destinatários do decreto sejam os agentes da administração pública direta e indireta; d) que o decreto não acrescente nenhuma obrigação ao particular, nem estabeleça nenhum novo direito.

O Decreto n0 1.719, de 1995, consegue violar logo o primeiro e fundamental requisito, pois sequer declina, em sua fundamentação legal, a que lei ele pretende assegurar a 'fiel execução'. Já sob o aspecto estritamente formal, portanto, padece de nulidade.

( . . . )

Estamos, portanto, diante de um fato inédito, um assombroso paradoxo: o regulamento destina-se a assegurar a 'fiel execução' de uma lei... que não existe!!!

Na tentativa de tentar justificar a edição do regulamento aprovado pelo Decreto n0 1.719, de 1995, poder-se-ia argumentar que ele está regulamentando a 'fiel execução' da Lei n0 4.117, de 1962 - Código Brasileiro de Telecomunicações

Formalmente, tal hipótese é impossível, porque tal regulamento já existe desde 1963, está em pleno vigor e não foi revogado. Trata-se do Decreto n0 52.026, de 20.5.1963, que aprova o Regulamento Geral daquela lei. Para assumir este papel, o Decreto n0 1.719, de 1995, teria que fazer referência expressa não só à Lei n0 4.117, de 1962, que estaria requlamentando, como também teria que apontar os artigos que estaria substituindo naquele Regulamento Geral.

Substancialmente, tal hipótese seria uma afronta grosseira ao que determina a Emenda Constitucional n0 8, de 1995, uma vez que ela exige a sua regulamentação 'nos termos da lei' e não 'nos termos de decreto executivo'.

( . . .)

Poder-se-ia, ainda, em derradeiro e desesperado argumento, tentar justificar que o Decreto n0 1.719, de 1995, tem o propósito de regulamentar a Lei de Concessões, aprovada pela Lei n0 8.897, de 1995. Afinal de contas, em quatro ocasiões (arts. 3º, 32, 38, 47 e 48) ele se refere à Lei de Concessões, de n0 8.987, de 1995 e à sua Lei Regulamentadora, a de n0 9.074, de 1995.

Tal argumento, todavia, seria frágil e falso. Como se demonstrará a seguir, tais leis são inaplicáveis ao setor de telecomunicações.

A medida Provisória n0 890, de 13 de fevereiro de 1995, discriminava, em seu artigo 1º as atividades econômicas que se sujeitavam ao regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos previsto na Lei n0 8.987, também de 13 de fevereiro de 1995- O inciso III da Medida Provisória se referia expressamente às telecomunicações, nos termos do inciso XI da Constituição. Os dois atos, portanto, se completavam.

Ocorre que a referida Medida Provisória foi examinada pelo Congresso Nacional, com vistas a sua conversão em lei, antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Logo, naquele momento, em julho, o inciso III do artigo lº era de uma inconstitucionalidade aberrante. Tornou-se necessário não só evitar tal fato, como compatibilizar o texto da lei com o da Emenda Constitucional. Assim, e após uma ampla negociação, que envolveu o Executivo, o Legislativo e Partidos de oposição, foi acertado um veto ao inciso III do artigo lº da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, com o que as duas leis tornaram-se inaplicáveis ao setor de telecomunicações.

E, se alguma dúvida ainda pairasse quanto a este fato, bastaria ler dois outros artigos da Lei nº 9.074: o artigo 26, que excetua os serviços de telecomunicações da reestruturação dos serviços concedidos nos moldes previstos por tais leis, e o artigo 2º que proíbe, a partir da vigência daquela lei (8 de julho de 1995), a outorga de novas concessões e permissões
'sem que lei lhes autorize e fixe os termos'.

Como se vê, antes mesmo da vigência da Emenda Constitucional nº 8, de 1995 (16 de agosto) , a 'organização dos serviços' (regulamentação da outorga de concessões e permissões para a exploração de serviços de telecomunicações) já estava subordinada à edição de uma nova lei para lhe autorizar e fixar os termos.

(...)

O Decreto nº 1.719, de 1995, aprova um regulamento, mas repita-se, não diz a que lei o regulamento aprovado se refere. Logo, impossível examinar concretamente se tal regulamento guarda ou não fidelidade aos termos de uma determinada lei. Falta-lhe uma formalidade essencial. De todo modo, se é um decreto regulamentar relativo a serviços de telecomunicações, é fundamental que, no mínimo, guarde fidelidade à lei básica de telecomunicações em vigor no País, a saber a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962.

Ocorre que já no seu artigo lº e parágrafo, o Regulamento contraria o Código de Telecomunicações. Em nenhum de seus artigos, o Código divide os serviços de telecomunicações em duas grandes categorias: serviços em base comercial e serviços em base não-comercial. Aliás, o Código não conceitua e sequer utiliza a expressão "base comercial".

No caso concreto, a lei que estabelece os limites para a ação da autoridade administrativa é a Constituição Brasileira, em seu artigo 48, inciso IV. Além disto, a Emenda Constitucional nº 8, de 1995, não só tem hierarquia superior, como é lei nova em relação ao velho Código de 1962. Acontece que tal emenda não introduziu o conceito de serviços com "base comercial" adotado agora pelo decreto regulamentar.

A Constituição Brasileira estabelece que compete ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre as telecomunicações (Arts. 22, inciso IV, c/c o art. 48, inciso XII). Além disto, a nossa Carta Magna proíbe a delegação de competência ao Poder Executivo para editar qualquer ato normativo sobre telecomunicações (Art. 68, §1º). E o Ato das Disposições Constitucionais Provisórias revogou todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a. ação normativa (art. 25).

Antecipando-se e, portanto, substituindo a Lei Regulamentar expressamente exigida pela Constituição Brasileira para a "organização dos serviços", o Decreto nº 1.719, de 1995, dispõe especificamente sobre o enquadramento dos serviços.

Espera e confia o Partido Autor que esta Col. Corte, apreciando a questão suscitada nos termos dos arts. 102, inciso 1, alínea "p", da Constituição Federal c/c o art. 170, §1º, do RISTF, resolva suspender liminarmente os efeitos dos dispositivos inquinados de inconstitucionais na presente ação direta, por isso que, data venia, presentes os pressupostos que autorizam a concessão da medida cautelar ora pleiteada.

Com efeito, parece de meridiana clareza a presença destes pressupostos, in casu. Em relação ao primeiro, resulta ele da incontornável realidade, precisão e certeza do direito invocado pelo Autor, conforme dimana do confronto entre os artigos do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 1.719, de 1995, e os dispositivos constitucionais aqui transcritos.

Já quanto ao segundo pressuposto, impende considerar o fato de que o Regulamento aprovado pelo Decreto n0 1.719, de 1995, já está em pleno vigor, por força do seu artigo 2º. Portanto, a partir de 29 de novembro de 1995, o Ministro das Comunicações e demais autoridades administrativas daquele Ministério estão investidos não só de poderes legislativos (normativos), como também executivos (abrir editais e outorgar concessões e permissões em base comercial)

Este dano potencial, que por si só ensejaria a concessão da medida liminar requerida, já começou a se tornar efetivo. É que as autoridades ilegítimas, ilegalmente e, principalmente, inconstitucionalmente investidas de poderes normativos em telecomunicações, a saber, o Ministro de Estado das Comunicações e o Secretário de Serviços de Comunicações daquele Ministério já estão colocando em prática o regulamento aprovado pelo decreto aqui impugnado.
Neste sentido, podem ser destacadas duas portarias:

a )Portaria nº 327, de 19 de dezembro de 1995, do Ministro de Estado das Comunicações, que, invocando como fundamentação jurídica o Decreto nº 1.719, de 1995, torna público "para consulta pública as características técnicas básicas" de "pedido de autorização para provimento de meios para prestação de serviços de telecomunicações via satélite geoestacionário", em obediência ao disposto nos artigos 15 e 16 do Decreto impugnado por esta Ação Direta;

b )Portaria nº 48, de 19 de dezembro de 1995, do Secretário de Serviços de comunicações, que submete a comentários públicos a proposta de Ato Normativo que dispõe sobre "Critérios e Procedimentos Contábeis para a Prestação do Serviço Móvel Celular".

c ) Com estas providências, visa o Poder Executivo adotar a política do fato consumado, que consiste em transferir para a iniciativa privada os mais rentáveis serviços de telecomunicações "em Base Comercial", mesmo sem lei que lhe fixe os termos.

Diante de todo o exposto, e consciente de que a presente iniciativa, sob pretender garantir a incolumidade da Constituição em face de atos normativos inferiores, tem, ainda, natureza pedagógica, no sentido de propiciar que o Excelso Pretório reafirme os exatos limites do poder regulamentar, o PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - PDT requer e este Colendo Tribunal, cuja missão precípua e a "guarda da Constituição" que

- considerando a urgência e imprescindibilidade de se estancar as medidas ora em curso, cujas lesões ao erário público, às concessionárias de serviços públicos de telecomunicações e ao público usuários são evidentes, suspenda liminarmente, porque presentes os pressupostos legais, os efeitos dos dispositivos ora impugnados, ate mesmo para garantir a eficácia do pronunciamento definitivo a ocorrer com o julgamento do mérito da presente ação, determinando, via de consequência a suspensão de qualquer procedimento que vise implementá-los, pelo menos ate que venha a ser sancionada a Lei prevista no art. 21, XI, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional nº 8/95, e;
-a final, após a citação do Advogado-Geral da União e da manifestação do Procurador-Geral da República, declare a inconstitucionalidade do artigo lº do Decreto nº 1.719, de 1995, e dos artigos 1º e parágrafo único, 2º, 6º,9º, 10, 11, 12, 13, 20, 21, 23, 32, 33 e seu parágrafo único, 38, 39, 40, 41 e 49 do "Regulamento de Outorga de Concessão ou Permissão para Exploração de Serviços de Telecomunicações em Base Comercial que menciona". (fís. 02/24)
.

Requisitei, preliminarmente, informações para então submeter o pedido liminar ao Plenário.

É o relatório.



AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1435-8 DISTRITO FEDERAL

Voto

O SENHOR MINISTRO FRANCISCO REZEK ( Relator ): - O requerido sustenta nas informações a imprestabilidade da via eleita. Pondera, para tanto, que o diploma atacado regulamenta as Leis 4.117/62, 8.987/95 e 9.074/95. Cuida-se, assim, pela sua ótica, de ato administrativo regulamentar. Fala, ainda, da aplicabilidade das Leis 8.666/93, 8.987/95 e 9.074/95 aos serviços de telecomunicações.

Nada, entretanto, que convença o relator à primeira vista de que se trata de hipótese de não conhecimento da ação. Ao contrário, a argumentação do partido requerente tem consistência irrecusável.

Cuida-se aqui, ao que me parece, de decreto autônomo. Assim, em juízo liminar, afasto o argumento de que o decreto impugnado não se credencia ao controle concentrado de constitucionalidade.

Analiso os pressupostos da cautelar. A ponderabilidade da tese do requerente é segura. Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis (art. 84-1V da CF/88>. Estão, assim, vinculados a determinado diploma legal. sua função é facilitar a execução da lei, torná-la praticável e, principalmente, facilitar ao aparelho administrativo sua fiel observância.

O argumento do Partido requerente sobre não existir lei a ser regulamentada impressiona. A Emenda Constitucional nº 8, de 1995

- que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do art. 21 da CF.

- é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Desta forma, não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tem de ser adotada em lei formal. Com isso, o decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige

Pondero, ainda, que a recém promulgada Lei 9.295/96 - que dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua organização, sobre o órgão regulador, e dá outras providências -, não supre a deficiência do ato impugnado. O novo texto legal é posterior ao decreto. Não vejo como dar por sanada eventual inconstitucionalidade, a menos que admitíssemos que determinado decreto pudesse regulamentar lei a ser editada.

Quanto ao perigo da demora, não consegui atinar com a dimensão nem com o exato perfil do prejuízo que acarretaria a não-suspensão imediata da norma. Tenho dificuldade para detectar, no pedido, fundamento idôneo para a urgência da deliberação provisória que se pede ao STF. Não vejo, pois, presente no pedido o segundo pressuposto que toda medida liminar reclama

Tais as circunstâncias, indefiro o pedido liminar.



AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1435-8 DISTRITO FEDERAL

Voto

( MEDIDA LIMINAR )

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO - Senhor Presidente, não padecesse o decreto impugnado de vicio formal, por haver sido indevidamente baixado de forma autônoma, sem lei a ser regulamentada, ainda assim, para que a cautelar fosse negada, haveria de passar pelo crivo da inconstitucionalidade material, não suscitada pelo Autor.
Peço vênia ao eminente Relator para deferir a medida liminar.



AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1435-8 DISTRITO FEDERAL

Voto

( MEDIDA LIMINAR )

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: - Sr. Presidente, ou há legislação precedente e o decreto é regulamentador de lei e, neste caso, a ação direta de inconstitucionalidade não seria cabível, dado que, se o decreto regulamentador fica aquém ou vai além do conteúdo da lei incorre em ilegalidade, ou, não havendo lei trata-se de decreto autônomo que a ordem constitucional brasileira desconhece e, aí, há inconstitucionalidade.

Leio o decreto e vejo que ele não menciona lei nenhuma.

Invoca-se como norma conferidora da atribuição para a regulamentação, o art. 84, inciso IV, que estabelece a competência do Presidente da República para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis

Ponho-me diante da questão tal como ela se apresenta. Tenho, no caso, um decreto regulamentador que não regulamenta lei nenhuma, é decreto autônomo, por isto é inconstitucional.

Dada a relevância da argüição, peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para deferir a medida cautelar, tal como requerida, vale dizer, para suspender a eficácia do decreto objeto da ação, acompanhando, assim, o voto do Sr. Ministro Ilmar Galvão.



AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.435-O - DISTRITO FEDERAL

Voto

( MEDIDA LIMINAR )

OSENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: - Sr. Presidente, levanto a preliminar de que a ação está prejudicada, tendo em vista que foi editada lei superveniente que regulamenta a Constituição e, regulamentando a Constituição, revogou o decreto anterior que era puramente autônomo e pretendia fazer as vezes dessa lei.



PLENÁRIO

Extrato de Ata

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1435-8 - medida liminar
Origem: Distrito Federal
Relator: Min. Francisco Rezek
Requerente: Partido Democrático Trabalhista - PDT
Advogado: Gustavo Henrique Caputo Bastos e outro
Requerido: Presidente da República
Decisão: O Tribunal rejeitou a preliminar suscitada pelo Ministro Moreira Alves, de considerar prejudicada a ação direta em face da revogação do decreto questionado pela Lei no 9.295, de 19.7.96.Em seguida, deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a vigência do Decreto no 1.719, de 28.11.95, vencidos os Ministros Francisco Rezek (Relator), Maurício Corrêa e Néri da Silveira, que o indeferiam. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 27.11.96.

Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os senadores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octávio Galloti, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa.

Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.


Luiz Tomimatsu
Secretário

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