Publicado em 19 de outubro de 2017

Presos podem dar entrevistas para veículos de imprensa? SIM No Estado Democrático de Direito, a informação é a matéria-prima fundamental para que o eleitor possa votar. É a partir do fluxo livre de informações que a Democracia e a civilização podem funcionar e evoluir.

Toda iniciativa estatal (seja do Legislativo, do Executivo, ou do Judiciário) para limitar ou reduzir o fluxo de informações deve ser vista com reserva: sempre haverá o interesse de um poderoso em esconder, escamotear a informação indesejável, perante seu eleitor. O caso da menina paraense, presa com o conhecimento das autoridades, em cela com dezenas de homens aumenta a importância do monitoramento da mídia sobre os presídios, inclusive ouvindo aos presos.

Isso reforça a relevância do livre trânsito de informações: é necessário que haja um mercado de ideias, bem estabelecido e funcional. Um ambiente em que os mais variados pontos de vista sejam ofertados à opinião pública, para seu conhecimento e reflexão. Esse é o papel da mídia nas democracias.

Dentre as informações mais importantes para os eleitores, certamente estão as pautas da segurança pública, do combate à criminalidade e do adequado funcionamento do sistema prisional. O mau funcionamento desses campos está no topo da agenda de preocupações da sociedade civil brasileira contemporânea. A sociedade tem o direito de receber amplas informações sobre o bom, ou mau, funcionamento das políticas públicas de segurança, a respeito das ações dos criminosos e acerca da operação adequada dos estabelecimentos prisionais.

Por isso a Constituição brasileira assegura ampla e irrestringível liberdade de expressão (arts. 5º, IV e IX, e 220), a qual foi ratificada em inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal (STF), com destaque para o lapidar acórdão da ADPF 130, que afastou a Lei de Imprensa da cena normativa e fixou com muita clareza a preponderância da liberdade de expressão. A prevalência da liberdade de expressão já foi afirmada pelo STF, mesmo diante da proteção à criança (ADI 2404, sobre a classificação indicativa de espetáculos e diversões públicas), do princípio da paridade de armas no processo eleitoral (ADI 4451, do humor nas eleições e ADI nº 3741, sobre divulgação de resultados de pesquisas eleitorais), da necessidade de qualificação profissional para o exercício da profissão jornalística (RE 511961), da necessidade de coibir a apologia ao crime (ADPF 187, da Marcha da Maconha), ou da tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (ADI 4815 das biografias).

Para o STF, as restrições possíveis à liberdade de expressão estão contidas na própria Constituição e eventual lei federal só poderia implementar tais restrições da própria Constituição (caso, por exemplo, do direito de resposta, Lei nº 13.188/2015). Todavia, não há nenhuma restrição à liberdade de manifestação e expressão do preso, nada na Carta da República indica que os veículos de comunicação fossem impedidos de entrevistar presidiários. Ora, se a Constituição não tolheu tal liberdade, a Lei não pode fazê-lo. Muito menos o poderia fazer o Poder Executivo, enquanto gestor de presídios.

O texto constitucional proibiu o voto daquele definitivamente condenado, mas a restrição de votar não é restrição para falar, para expressar-se.

Não se trata de cortejar o criminoso, ao contrário: só há estado de direito quando as leis são cumpridas e os criminosos são punidos. Cabe aos órgãos da mídia, segundo a aplicação dos critérios da atividade jornalística, separar as manifestações que têm relevância para a sociedade das outras manifestações, de modo a levar ao público o que tenha interesse. Cabe também à administração penitenciária regrar o contato entre preso e a mídia, para assegurar a segurança de todos e o bom funcionamento do estabelecimento prisional.

Portanto, sim, presos podem dar entrevistas para veículos de imprensa.

Walter Vieira Ceneviva – Advogado e presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB SP

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NÃO Aquele que entra no nosso falido sistema carcerário sabe, de antemão, que diversos dos direitos que possuía do lado de fora dos muros de um presídio são, de uma hora para outra, simplesmente perdidos ou, então, severamente coarctados.

De efeito, é inegável que a prisão traz consigo uma série de consequências, a começar pela perda do livre exercício do direito de ir e vir. É bom dizer, nesse compasso, que o encarceramento não só mitiga direitos como também cria obrigações, as quais devem ser seguidas pelo detento.

Aliás, no que diz respeito às obrigações e aos direitos dos presos (tanto os provisórios quanto os que cumprem pena), a Lei de Execução Penal (LEP) é clara ao prevê-los, expressamente, entre os artigos 38 a 43.

No tocante aos direitos, por mais que o rol seja exemplificativo (artigo 41, LEP), é certo que o legislador, ao elencá-los, buscou ser bem detalhista e minucioso. E, especificamente no que diz respeito ao direito à comunicação do encarcerado “com o mundo exterior”, a LEP é clara ao prevê-lo apenas “por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes” (art. 41, inc. XV).

Ou seja, exceção à correspondência escrita, não há, ao menos na LEP, qualquer previsão legal que permita ao preso, ao seu talante, conceder entrevistas à imprensa ou convocar coletivas.

É bem verdade que, nesse particular, a legislação não é expressa a respeito, ou seja, não proíbe nem permite. Contudo, por razões de cautela e prudência, não se pode aceitar, sem critério algum, que todo e qualquer preso, sempre que desejar, possa exercer um “direito” que a lei não prevê claramente, qual seja, o de ser entrevistado.

É bom dizer que não se está aqui buscando cercear a liberdade de expressão dos detentos. Longe disso! Mas, dada a condição de “preso”, é forçoso reconhecer que até mesmo o direito de se expressar sofre severas restrições, assim como diversos outros ínsitos à pessoa humana.

Caso o detento queira se expressar “ao mundo exterior” de forma diversa daquela prevista na LEP, que o faça por intermédio do seu advogado ou, então, da defensoria pública ou de seus familiares.

Até porque, sobretudo para a manutenção da segurança interna dos presídios, seria temerário, para se dizer o mínimo, que os veículos de imprensa em geral pudessem ter acesso livre e desimpedido a todo e qualquer detento.

Daí, pois, é que, longe de ser um “direito”, o acesso do preso à mídia deve ser reservado para situações realmente excepcionais, de comprovado interesse público (o que é diferente do mero “interesse do público”, de cunho eminentemente sensacionalista).

Aqui, vale acrescentar que a LEP, ao prever os direitos dos presos, também foi taxativa ao determinar que o recluso deve ser protegido “contra qualquer forma de sensacionalismo”.

Assim, quando o interesse público demandar a realização de uma entrevista com um detento específico, nada impede que um determinado veículo de imprensa ouça o referido preso, entrevistando-o a respeito de um fato qualquer.

Nunca é demasiado lembrar, contudo, que o encarcerado está sob a custódia do Estado, o que justifica, pois, que uma entrevista só possa ser realizada mediante prévia autorização da autoridade judicial responsável.

Nesse ponto, cumpre sempre repisar que, em tais hipóteses, a decisão a ser proferida pelo magistrado deverá ser pautada, sempre, tanto pela manutenção da segurança interna do estabelecimento prisional, quanto pela efetiva e real necessidade daquela entrevista para o interesse público. O sensacionalismo barato, o uso da imprensa para autopromoção do crime etc., sempre devem ser evitados.

Como conclusão, entendo que o preso, seja o provisório, seja o condenado, não está autorizado, a priori, a conceder entrevistas, livremente, aos veículos de imprensa. Tal restrição encontra guarida na manutenção da ordem e segurança internas do presídio, bem como no direito que tem o detento de ter a sua imagem e a sua identidade resguardadas e imunes à mera exploração jornalística. No entanto, em situações especialíssimas, certas exceções podem ser admitidas, desde que precedidas de expressa autorização do Poder Público.

Euro Bento Maciel Filho – Advogado, professor de Direito Penal e vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP Pé Jornal Setembro 2017